Desespero

Castro Alves

"Crime! Pois será crime se a jibóia

Morde silvando a planta, que a esmagara?

Pois será crime se o jaguar nos dentes

Quebra do índio a pérfida taquara?

"E nós que somos, pois? Homens? — Loucura!

Família, leis e Deus lhes coube em sorte.

A família no lar, a lei no mundo...

E os anjos do Senhor depois da morte.

"Três leitos, que sucedem-se macios,

Onde rolam na santa ociosidade...

O pai o embala... a lei o acaricia...

O padre lhe abre a porta à eternidade.

"Sim! Nós somos reptis... Qu'importa a espécie?

— A lesma é vil, — o cascavel é bravo.

E vens falar de crimes ao cativo?

Então não sabes o que é ser escravo!...

"Ser escravo — é nascer no alcoice escuro

Dos seios infamados da vendida...

— Filho da perdição no berço impuro

Sem leite para a boca ressequida...

"É mais tarde, nas sombras do futuro,

Não descobrir estrela foragida...

É ver — viajante morto de cansaço —

A terra — sem amor!... sem Deus — o espaço!

"Ser escravo — é, dos homens repelido,

Ser também repelido pela fera;

Sendo dos dois irmãos pasto querido,

Que o tigre come e o homem dilacera...

— É do lodo no lodo sacudido

Ver que aqui ou além nada o espera,

Que em cada leito novo há mancha nova...

No berço... após no toro... após na cova!...

"Crime! Quem falou, pobre Maria,

Desta palavra estúpida?... Descansa!

Foram eles talvez?!... É zombaria...

Escarnecem de ti, pobre criança!

Pois não vês que morremos todo dia,

Debaixo do chicote, que não cansa?

Enquanto do assassino a fronte calma

Não revela um remorso de sua alma?

"Não! Tudo isto é mentira! O que é verdade

É que os infames tudo me roubaram...

Esperança, trabalho, liberdade

Entreguei-lhes em vão... não se fartaram.

Quiseram mais... Fatal voracidade!

Nos dentes meu amor espedaçaram...

Maria! Última estrela de minh'alma!

O que é feito de ti, virgem sem palma?

"Pomba — em teu ninho as serpes te morderam.

Folha — rolaste no paul sombrio.

Palmeira — as ventanias te romperam.

Corça — afogaram-te as caudais do rio.

Pobre flor — no teu cálice beberam,

Deixando-o depois triste e vazio...

— E tu, irmã! e mãe! e amante minha!

Queres que eu guarde a faca na bainha!

"Ó minha mãe! ó mártir africana,

Que morreste de dor no cativeiro!

Ai! sem quebrar aquela jura insana,

Que jurei no teu leito derradeiro,

No sangue desta raça ímpia, tirana

Teu filho vai vingar um povo inteiro!...

Vamos, Maria! Cumpra-se o destino...

Dize! dize-me o nome do assassino!..."

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"Virgem das Dores,

Vem dar-me alento,

Neste momento

De agro sofrer!

Para ocultar-lhe

Busquei a morte...

Mas vence a sorte,

Deve assim ser.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

"Pois que seja! Debalde pedi-te,

Ai! debalde a teus pés me rojei...

Porém antes escuta esta história...

Depois dela... O seu nome direi!"

5 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Muito boa escolha, Leandro.
Alves e sua liberdade.
Nossa sonhada liberdade.

Sempre.
Germano

Adriano Caroso disse...

Meu amigo, o cara morreu novo como morreu e deixou esta obra toda. Imagina se ele tivesse chegado à velhice? Deus sabe o que faz! Embora conhecido como "o poeta da abolição", deixou um trabalho maravilhoso de poemas de amor. E vc, com esta alma de poeta, sabe bem do que falo.
Se pensou que eu esqueci os amigos, se deu mal. Olha eu aqui! Ainda vou ficar um tempo afastado mas vou voltar. Pode esperar. Sou seu fã!

Dulce Miller disse...

Aiiiiii, Castro Alves!Foi por ele que me apaixonei por poesia quando era criança, quando li pela primeira vez O laço de Fita...

"Não sabes, criança? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita."

Lindoooooooo!!!

Lorena disse...

Castro Alves é minha melhor lembrança poética dos 16 anos, acredita??
Sempre gostei muito dos seus poemas e da sua luta, da forma como escrevia sobre as coisas que acreditava, com paixão mesmo...

E esse poema, que forte!

beijos. =**

Nando Damázio disse...

Confesso que só li Castro Alves nos tempos de ginásio por imposição da professora de Literatura e, sob a pressão dos deveres escolares, acabava achando uma leitura maçante.

Mas, diante deste poema belíssimo, não tem como dizer que é uma leitura chata, é simplesmente arrasador. Sem dúvida, preciso ler mais Castro Alves.